Na escola, onde fiz o segundo grau, era de
praxe nós, os alunos, ficarmos na escadaria em frente ao prédio esperando o
sinal tocar para entrarmos nas salas de aula.
O professor Vitor, de Física, chegava dirigindo
seu “Opalão” e estacionava bem em frente ao colégio. A rua é pública, mas a
vaga dele sempre estava livre. Parecia que aquele espaço era de sua
propriedade.
Antes de desligar o carro, ele apertava o
botão para baixar a antena elétrica, pois ainda não existiam as antenas que
baixavam ao desligar o rádio, tão pouco antenas internas como as de hoje. Após
sair do carro, com seu tradicional óculos escuros, ele abria o porta-malas do
Opala de onde tirava uma pastinha de executivo, no formato de caixa de álbum de
fotografia, naquele tempo chamada de 007 por causa do James Bond da época, que
usava uma igual com suas armas e seus segredos.
A galera achava a maior graça naquele ritual
porque uma pastinha, de tamanho insignificante comparado com o imenso porta-malas
do Opala, não tinha motivos para não ficar em cima de um dos bancos, pois
assalto era muito raro naquele tempo.
A peculiaridade do professor não parava por aí.
Em dia de prova, além de levar o jornal para ler enquanto a fazíamos, ele
exigia apenas as respostas sem precisar mostrar o desenvolvimento das questões.
Porém, não em uma folha comum. Ele próprio fornecia o material. Eram folhinhas de mais ou menos 10 x 15 cm muito parecidas com as
de um bloco de recados de papel reaproveitado. Ele pedia para que dobrássemos
duas ou três vezes e depois para abrirmos. Isto qualquer um pode fazer para ter
uma ideia de como era. Com duas dobras a folha fica com quatro divisões, se
forem três formam-se oito. Assim a folhinha ficava com o número de divisões
compatível com a quantidade de questões que ele passava para o teste. Nós
tínhamos que colocar somente as respostas da esquerda para direita e de cima
para baixo com o nome bem em cima.
Tratando-se de prova de Física, as repostas
eram somente números e complementos como tempo, distância, velocidade, etc. E
se você não aguentou a curiosidade e já dobrou a folhinha, percebeu que dava
para colocar um número com um tamanho que possibilitava a visão do outro lado
da sala.
Outro fato interessante é que durante a prova
o professor não tirava seus óculos escuros.
Havia mitos que o ele furava o jornal e
através dele ficava olhando para pegar os coladores. Porém, a verdade é que
nunca se soube de alguém que tenha sido punido nas provas de Física, e a
colação era generalizada. Se verdade for que ele usava o jornal furado,
certamente era para se divertir.
Na época, não recebíamos notas e sim os
conceitos abaixo com respectiva equivalência numérica:
I - menos
que 5 - Insuficiente
S - de
5 a 6,9 - Satisfatório
PS - de
7 a 9,4 - Plenamente Satisfatório
E - de
9.5 a 10 - Excelente
Na minha turma tinha dois colegas do tipo
aluno modelo, o Charles e o Victor Hugo. Este, xará do professor com a
diferença da letra C no meio do nome, é meu amigo pessoal embora a vida nos
tenha colocado cada um para o seu lado. O Charles era o aluno que todo
professor se orgulhava, além de inteligente era muito dedicado. Em 15 matérias tirava 14 E e um PS. O Victor
também era um aluno exemplar. Não tinha tantos Excelentes quanto o Charles, mas
obtinha notas muito acima da média.
Eu era um aluno da média. Talvez um pouquinho
acima daquele que estudava o suficiente para passar. Em algumas matérias passei
no limite.
Porém, um dia, em uma prova de Física me deu
um branco. Nada que eu estudei ficou na cabeça e para meu desespero total o
professor chegou.
Era um dia quente, mas meus dentes batiam.
Ele solicitou o tradicional afastamento das
mesas e distribuiu as folhinhas. Pediu para dobrar duas vezes e deu quatro
questões valendo 2,5 cada uma. Eu fiquei parado olhado aquele pedacinho de
papel sem ter a menor idéia de que colocar ali dentro além do meu nome. De
repente, percebi que, com o arrastamento das mesas, minha posição ficou
estratégica. Eu fiquei sentado bem no meio dos dois gênios da aula. E não
somente gênios, como também generosos porque estavam colocando as repostas em
tamanho facilitado para uma boa consulta. Não tive dúvidas, colei, quer dizer
consultei as duas primeiras do Charles e as duas últimas do Victor. Não foi
superstição nem técnica. Assim fiz porque
simplesmente a oportunidade foi esta.
Ao recebermos as notas, a maior surpresa. Eles
tiraram S e eu E.
Percebi então, que apesar deles serem gênios,
eram humanos e também erravam. Caso pouco comum se tratando destes dois, mas
aconteceu. E eu que escapei de um zero por ter feito a consulta certa, achei
que não teria a mesma sorte novamente. Logo, estudei mais nas outras provas.
O Charles se formou médico e o Victor, maluco
como eu, analista de sistemas.